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A incrível habilidade de dizer “Não sei”

As muitas tecnologias…

Lembro-me de quando meu pai comprou nosso primeiro computador em 2000. Na época eu tinha 17 anos, era jogador de futebol assíduo, uns 20 kg mais magro e só tinha ouvido falar de internet por um colega que nos contava suas incríveis experiências (alí pelos meados de 1995) de suas pesquisas em incríveis páginas de textos sobre dinossauros que eram escritas por uns caras aí que estavam em algum lugar do mundo ávidos por compartilhar as informações de suas pesquisas com pessoas aleatórias do mundo. Claro, esse colega também comentava das imagens da playboy que fazia um tal de download, mas isso não vem ao caso agora. O que importa mesmo é que até então meu conhecimento sobre internet, computadores, programação, linguagens, frameworks, ferramentas, etc. era muito próximo de 0, tirando um ou outro curso de word e excel feitos no colégio no ano de 98, nada mais.

No início, o uso do PC era exclusivamente para o novo brinquedo, IRC, ICQ e chat da AOL. Nossa, quanto tempo eu perdi nisso. Porém, olhar para essas soluções e pensar em como tudo aquilo funcionava começou a rondar meu imaginário, mas nada ainda que me fizesse largar meu futebol para me dedicar, pois até então eu faria faculdade de administração e usaria o computador para no máximo manter meu bate papo, meu e-mail da AOL e digitar meus trabalhos de faculdade. Já meu pai não, em poucos meses estava aprendendo a instalar um linux para testar e estava dando seus primeiros passos no caminho de construir seu primeiro site para a empresa, era um novo brinquedo pra ele (HTML, Javascript, FTP, Frontpage, etc.) e ele não parou até conseguir por a primeira versão do site no ar ainda em 2000, com uma página cheia de gifs de malas voadoras, arrobas girando e cor, muita cor (como as pessoas gostavam muito de cores na internet em 2000).

O fato é que aquilo de alguma forma mudou a cabeça do meu pai e ele plantou na minha cabeça a sementinha: “porque tú não fazes faculdade de Sistemas?”. Confesso pra vocês que num primeiro momento eu ignorei completamente a hipótese, mas conforme a aproximação da inscrição pro vestibular, não me parecia mais tão maluco assim aprender mais sobre esse tal de computador.

Dando um pequeno salto no tempo (tem muita história aqui nesse meio, mas não cabe para o artigo) quando eu comecei a cursar Sistemas de Informação no IESAM (Institudo de Estudos Superiores da Amazônia) a cabeça quase explodiu quando eu entendi a lógica de Algoritmos e como programas de computador eram construídos (na verdade escritos, pasmem). Foi muito maluco pro meu cérebro saber que existiam linguagens, entendíveis por seres humanos, que davam ordem pra máquina e ela fazia apenas o que era ordenado, em linguagem humana.

Sério, pra mim, o computador só ia entender 0s e 1s e todo ser humano que quisesse dizer a ele o que fazer, teria que calcular cada caractere através de sua sequência de 0s e 1s. Trazer para o campo do possível a capacidade de escrever programas de computador, me fez logo no inicio do curso, eu buscaer me tornar um dos mais dedicados na classe a aprender algoritmos e lógica de programação. Sério, sempre foi fluido pra mim, desde a primeira aula de algoritmo, escrever código para resolver problemas computacionais e assim sendo, os primeiros anos de faculdade foram simples, a ponto de eu simplesmente ignorar algumas matérias e simplesmente conseguir aprovar nelas de boa, mesmo sem me aprofundar. Eu queria apenas escrever código, resolver algoritmos, discutir sobre a necessidade de deixar o código mais legível, facilitar a manutenção, etc. até que…

… conhecendo o tal mercado

Bom, precisei dessa introdução pra que você entenda como veio a maior lição da minha vida e como a aprendi da pior forma possível.

Após formado, você chega no mercado de trabalho. Um dos problemas da minha geração, é que aprendemos com a geração anterior o quanto que a faculdade (o curso SUPERIOR) “vai lhe deixar preparado para tudo o que você vai enfrentar no mercado”, SÓ QUE NÃÃÃÃOOOOO… Se você está na faculdade agora achando que você está se qualificando para o mercado, entenda agora que “isso não é completamente verdade e nunca vai ser”. Meu pai, por não ter tido essa chance, insistiu em me aconselhar a não trabalhar durante os estudos na faculdade, apesar da intenção dele ser excelente, acho que foi de longe a pior decisão que já tomei na minha vida, segui o conselho dele e aprendi a lição já formado e sem nenhuma experiência no desenvolvimento de sistemas.

Não, o mercado era bem pior do que parecia que seria na faculdade, os conhecimentos iam além, os recursos utilizados eram outros, as ferramentas eram bem mais evoluídas e diferentes, as plataformas mais distintas, etc. poderia listar aqui tudo o que percebi de diferente e novo, mas a lista é BEM longa, então prefiro resumir: “EU NÃO SABIA NADA”.

Então veio uma jornada que eu ainda demorei mais alguns anos pra sair dela, que foi adquirir a habilidade de dizer “não sei”. Nossa, como foi difícil. Pra minha cabeça de recém formado master blaster God com canudo na mão, dizer “não sei fazer isso” era um sacrilégio. Como assim eu não saberia fazer? Passei 4 “longos” anos em uma faculdade pra não saber? Jamais, então, assim sendo, eu “sabia tudo”. No mercado, com pouco tempo, você começa a conhecer pessoas que tem muita experiência e nosso mercado de TI, infelizmente naquela época, era formado por Rockstars. Esses eram caras que se colocavam na suas torres de marfim e nos, os meros mortais, apenas deveriamos olhar para eles e contemplar seus incríveis conhecimentos, enquanto nos recolhiamos em nossa insignificância.

Quase isso… Rsrsrssrs

Embora eu os achasse uns idiotas completos e ainda ache (sim, eles ainda existem), no final do dia eu me pegava estudando de tudo feito um maluco e dizendo que sabia de tudo para tentar não ficar “por baixo”. Isso me tomou muito tempo de vida estudando e aprendendo sobre coisas que nunca precisei na prática, a não ser pra poder dizer pra alguém que “já tinha feito um projetinho pessoal usando”.

Eu tinha me esquecido de toda a trajetória que tinha percorrido até ali, de tudo o que não sabia na época em que ganhei meu primeiro computador. De repente, agora eu tinha a obrigação de saber as mesmas coisas que pessoas que tinham sido apresentadas aos computadores e ao maravilhoso mundo da tecnologia bem antes de mim. Eu era obrigado a sabe tudo e proibido, por mim mesmo, de dizer “não sei”.

A luz no fim do túnel, e não era um trem

A luz no fim do túnel pode ser um trem… Rsrsrssrs

Por sorte, eu achei a luz no fim do túnel e o destino (o networking sendo menos dramático, rsrsrs) colocou no meu caminho pessoas verdadeiramente incríveis e que eram o extremo oposto dos rockstars.

Não, eles não eram incompetentes, muito pelo contrário, eram extremamente competentes, profissionais absurdamente bem colocados no mercado de trabalho em empresas massas demais, alguns professores de faculdade, alguns donos de seus próprios negócios, outros ainda conheci na época que ainda não tinham suas empresas e hoje são empresários.

Encontrei muita gente massa no fórum do GUJ (o raiz, não o Nutella, Rsrsrsrs), na comunidade Python, na comunidade PHP, pessoas que simplesmente mandavam bem demais em suas respectivas zonas de atuação e que tinham toda a humildade do mundo pra dizer “não sei” quando de fato não sabiam alguma coisa. Eram extremamente focados em aprender e melhorar sobre as tecnologias de suas escolhas e “ignorar” (não ignorar de fato, mas apenas não se aprofundar ou não dar tanto foco) tudo aquilo que estivesse fora da sua zona de necessidade.

Isso foi um tapa na cara do sabichão aqui que queria saber de tudo e um “volta pra terra” nível mega blaster power.

E aqui eu chego onde eu queria. Não tem como você saber tudo de tudo. Não é produtivo e mais, não é possível. Há muitos artigos e discussões pela internet sobre o excesso de informação que gera desinformação e sobre especialistas vs generalistas, que eu não vou discutir aqui, quem sabe em u post futuro, vou apenas esclarecer alguns pontos que eu acho extremamente necessários para ajudar você que está chegando hoje na TI e que está perdido (assim como eu fiquei um dia) nessa imensa sopa de letrinhas:

1- Dizer “não sei” lhe dá a oportunidade de aprender.

Imagina que alguém está em um evento, ou na sua faculdade/trabalho e comenta sobre a linguagem XPTO que ele/ela aprendeu nos últimos 2 anos e pergunta se você já conhece. Você na ânsia de não ficar por baixo, responde que sim e a conversa não se alonga muito a não ser de forma rasa sobre as possibilidades que XPTO pode resolver e não evolui muito daí, já que seu parceiro de bate-papo assume que você já conhece a linguagem e que por isso não precisa ir muito mais a fundo pra lhe explicar tudo o que ele já fez usando XPTO.

Mesmo que depois da conversa você vá pra internet estudar tudo sobre XPTO, você perdeu uma imensa oportunidade de pular etapas e ir direto para o que interessa conversando de XPTO com um especialista no assunto. Poderia pegar dicas de atalhos, aprender com ele sobre onde ele usou, com qual carga de uso, como era a performance, como ele media o uso de HD e memória da XPTO, ou quem sabe ainda, perdeu uma oportunidade de fechar um negócio ouvindo sobre uma brecha em XPTO que de repente você consegue resolver com a sua linguagem de domínio?

Mesmo que você possa aprender tudo sobre XPTO depois, agora você fará isso para, se um dia conversar com aquele contato de novo, mostrar (talvez) que você realmente conhece XPTO, ao passo que se tivesse dito que não conhece e no próximo encontro mostrasse domínio através de alguma solução, ganharia uma admiração real pela capacidade de absorver conhecimento tão rápido. Criaria um verdadeiro laço de respeito com um igual.

E sim, você vai ter que descobrir quase tudo sozinho já que não pegou os atalhos.

2- Dizer “não sei” não cria falsas expectativas.

Imagine que seu chefe chegue com você amanhã e diga que precisa implantar o novo método XPTO (sim, o XPTO de novo, é a única que conheço :-P) e pergunta quem alí sabe sobre XPTO e você prontamente diz que sabe. Você vai correr o risco de ser referência em algo dentro do seu time que você não domina de verdade e o peso disso uma hora se vira contra você, afinal seu time criou expectativa de ter ao seu redor alguém que domina o assunto e que vai poder ajudar a resolver os problemas que aparecerem no percurso da implantação do método, ou da nova linguagem/framework, enfim.

O fato ruim e perigoso aqui é você se tornar referência de algo que você realmente não domina apenas para poder parecer ser “o cara” que conhece e está por dentro de tudo.

Se você se ferrasse sozinho nesse processo eu até não advertiria você só pela piada, mas o fato é que tal postura pode realmente prejudicar de verdade o trabalho de outros, então seja honesto, até pro seu bem e pra não falsas expectativas em terceiros.

3- Dizer “não sei” é o certo a se fazer

Veja, na área de TI está ficando cada vez mais comum NÃO SABER das coisas. A era em que estamos vivendo, a informação está a alguns cliques de distância a medida que cresce o número de possibilidades e buzzwords.

Com a chegada da cloud, separação do backend do frontend, ascensão da arquitetura de microserviços, IOT, mobile, data science e Big Data, crescimento vertiginoso do javascript e sua consolidação nas grandes empresas do mercado, como Google e Facebook, o número de coisas que você não sabe, e não precisa saber para resolver seus problemas de imediato, só cresce a cada novo movimento do mercado.

Mais importante (BEM MAIS IMPORTANTE) do que saber tudo o que está se passando no mercado é você desenvolver a capacidade de absorver coisas novas e tirar proveito apenas da parte que vai resolver aquele seu problema atual, é manter o foco no que você precisa e garantir o “não sei” para todo o resto.

Aprender uma nova tenologia/linguagem/framework somente quando precisar dela para resolver um determinado problema do seu negócio, não criará uma falsa expectativa no seu time e todos ficam conscientes de que aquela novidade está sendo absorvida por você, ou seja, você ainda não é o especialista naquele assunto e nem será cobrado como um especialista pela solução.

Cada avanço seu será visto com bons olhos e cada tropeço, será visto também com bons olhos, fortalecendo a cooperação do seu time. Isso é apenas o certo a se fazer e torna você um profissional BEM MAIS valioso para o mercado, pois seus colegas sabem que podem contar com você, pois mais do que “o cara que sabe tudo”, você começa a se tornar “o cara que se adapta muito bem a tudo”, é outra perspectiva, que só é possível quando lá no início você teve a hombridade de dizer “não sei”.

Enfim

Nunca minta para outra pessoa na sua frente sobre suas habilidades, você não tem obrigação de saber frontend, backend, mobile, segurança, performance, mensageria, cloud, monitoramento e todas as outras skills que um profissional da nossa área demora anos e anos para adquirir apenas uma parte delas.

Claro que existem exceções de profissionais (e isso fica pra um outro post) que aprendem muito mais rápido e muito mais coisas que a média, mas, se você resolve problemas do seu time e do negócio da empresa para quem você trabalha ou da sua própria empresa, sério amigão, você já é considerado um bom profissional.

Se você ainda não tem essa habilidade ou já tem mas lhe falta o costume, aprenda a dizer “não sei”, assim você não limita as suas oportunidades de aprender, não cria falsas expectativas e isso é o certo a fazer.

E aí, o que você acha sobre isso? Comenta aí.

Referência: Esse post foi originalmente publicado em meu blog no Medium. Me segue lá neste link. 😉


Engenheiro de software desde 2006, atuando como analista e desenvolvedor, atualmente estou focado em compartilhar minha experiência de anos no setor.

Um comentário

  • Calex

    Perfeito Adriano Ohana! Li e concordo com tudo! A neurociência explica que o cérebro tem uma função canibal, para aprender novas coisas (fazer novas ligações sinápticas) ele canibaliza coisas poucos usadas (as ligações sinápticas não utilizadas). O homem é limitado por natureza, saber dizer não ou o não sei tem que ser natural mesmo. Parabéns novamente.

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